segunda-feira, junho 23, 2008

Na década de 40 Anaïs Nin e Henry Miller sobreviveram algum tempo escrevendo contos eróticos para um homem, que se fazia chamar O Coleccionador.
*
Este coleccionador de pornografia não apreciava o estilo e várias vezes lhes exigiu que "saltassem a poesia" e se concentrassem no sexo, porque o resto não lhe interessava. Anaïs Nin escreveu-lhe uma carta em que define magistralmente a essência do erotismo:


"Querido coleccionador: Odiamo-lo. O sexo perde todo o seu poder e a sua magia quando é explícito, rotineiro, exagerado, quando é uma obsessão mecânica. Converte-se num aborrecimento. O senhor ensinou-nos mais que ninguém sobre o erro de não misturar o sexo com emoções, apetites, desejos, luxúria, fantasias, caprichos, vínculos pessoais, relações profundas que mudam a sua cor, sabor, ritmo, intensidade.

Não sabe o que perde com a sua observação microscópica da actividade sexual, excluindo os aspectos que são o combustível que a ateia: intelectuais, imaginativos, românticos, emocionais. É isto que dá ao sexo a sua surpreendente textura, as suas transformações subtis, os seus elementos afrodisíacos. O senhor reduz o seu mundo de sensações, murcha-o, mata-o de fome, dessangra-o.

Se alimentasse a sua vida sexual com toda a excitação e aventura que o amor introduz na sensualidade, seria o homem mais poderoso do mundo. A fonte da potência sexual é a curiosidade, a paixão. O senhor vê que a sua chamazinha se extingue, asfixiada. A monotonia é fatal para o sexo. Sem sentimentos, inventiva, disposição, não há surpresas na cama. O sexo deve misturar-se com lágrimas, riso, palavras, promessas, cenas, ciúmes, invejas, todas as componentes do medo, viagens ao estrangeiro, novos rostos, romances, histórias, sonhos, fantasias, música, dança, ópio, vinho.

Sabe quanto perde por ter esse periscópio na ponta do seu sexo, quando poderia gozar de um harém de maravilhas diferentes e novas? Não há dois cabelos iguais, mas o senhor não nos deixa perder palavras na descrição do cabelo; nem dos cheiros, mas se nos alargamos nisso, o senhor grita: Saltem a poesia! Não há duas peles com a mesma textura e nunca a luz, temperatura ou sombras são as mesmas, nunca os mesmos gestos, mas um amante, quando está excitado pelo verdadeiro amor, pode percorrer a gama de séculos de ciência amorosa. Que variedade, que mudança de idade, que variações na maturidade e na inocência, perversão e arte!...

Sentamo-nos durante horas interrogando-nos como será o senhor. Se recusou aos seus sentidos, seda, luz, cor, cheiro, carácter, temperatura, deve estar agora completamente murcho. Há muitos sentidos menores fluindo como afluentes ao rio do sexo, nutrindo-o. Só a pulsação unânime do sexo e o coração juntos podem criar êxtase. "

terça-feira, junho 17, 2008

OLÁ TENHO QUE IR ANDANDO
É um prazer voltar a ver-te neste curto intervalo
Entre o emprego e a televisão
Ouvir dizer que te casaste
Parabéns, já agora, diz-me aí que horas são
Estou outra vez atrasado
A minha vida é assim
Ando sempre a correr
De tal maneira ocupado
Que até já perdi um filme, que tanto queria ver
Olá, Olá, Olá
Tenho que ir andando...
No outro dia encontrei aquele tipo pintor
Que queria conhecer o Mundo inteiro
Quando o chamaram para a tropa
Ele não pensou duas vezes
Meteu-se no comboio e foi para o estrangeiro
Tu sabes que ele ainda pinta
Esteve-me a mostrar umas coisas
E eu sinceramente não gostei nada daquilo
Mas, claro que o elogiei, calorosamente
Olá, Olá, Olá
Tenho que ir andando.........
Quem ? Ah, sim, aquela miúda...
Era bonita, era e eu até gostava dela...
Desapareceu com um tipo qualquer...
Olá, Olá, Olá Olá, eu tenho que ir andando.
Jorge Palma

Reflete perfeitamente o meu dia de hoje, bem, não será só o de hoje, até porque há dias assim...

O vídeo que se segue é da entrega dos Globos de Ouro 2008 da SIC, no qual Jorge Palma ganhou o de melhor intérprete

segunda-feira, junho 02, 2008

Com o preço a que está a gasolina torna-se útil este site, a gasolina mais barata, por distritos:

segunda-feira, maio 19, 2008

E DEPOIS DO ADEUS
*
Quis saber quem sou
O que faço aqui
Quem me abandonou
De quem me esqueci
Perguntei por mim
Quis saber de nós
Mas o mar
Não me traz
Tua voz.
*
Em silêncio, amor
Em tristeza e fim
Eu te sinto, em flor
Eu te sofro, em mim
Eu te lembro, assim
Partir é morrer
Como amar
É ganhar
E perder
*
Tu vieste em flor
Eu te desfolhei
Tu te deste em amor
Eu nada te dei
Em teu corpo, amor
Eu adormeci
Morri nele
E ao morrer
Renasci
*
E depois do amor
E depois de nós
O dizer adeus
O ficarmos sós
Teu lugar a mais
Tua ausência em mim
Tua paz
Que perdi
Minha dor que aprendi
De novo vieste em flor
Te desfolhei...
*
E depois do amor
E depois de nós
O adeus
O ficarmos sós
*
José Niza
*
Esta canção serviu de senha de início do 25 de Abril de 1974, de cujo ano ganhou o festival da canção com a interpretação de Paulo de Carvalho

domingo, maio 18, 2008

NO TEU POEMA

No teu poema

Existe um verso em branco e sem medida

Um corpo que respira, um céu aberto

Janela debruçada para a vida
*
No teu poema
Existe a dor calada lá no fundo
O passo da coragem em casa escura
E aberta uma varanda para o mundo
*
Existe a noite
O riso e a voz refeita à luz do dia
A festa da Senhora da Agonia e o cansaço
Do corpo que adormece em cama fria
*
Existe um rio
A sina de quem nasce fraco ou forte
O risco, a raiva, a luta, de quem cai ou que resiste
Que vence ou adormece antes da morte
*
No teu poema
Existe o grito e o eco da metralha
A dor que sei de cor mas não recito
E os sonos inquietos de quem falha
*
No teu poema
Existe um cantochão alentejano
A rua e o pregão de uma varina
E um barco assoprado a todo o pano
*
Exista a noite
O riso e a voz refeita à luz do dia
A festa da Senhora da Agonia e o cansaço
Do corpo que adormece em cama fria
*
Existe um rio
O canto em vozes juntas, em vozes certas
Canção de uma só letra e um só destino a embarcar
No cais da nova nau das descobertas
*
No teu poema
Existe a esperança acesa atrás do muro
Existe tudo o mais que ainda me escapa
E um verso em branco à espera do futuro
*
José Luis Tinoco

quarta-feira, maio 14, 2008

* Catulo dedicou toda a sua vida a Lesbia
* Antínoo atirou-se a um lago quando pensou que já não era suficientemente belo para Adriano
* Marco António perdeu um império por Cleópatra
* Lancelote atraiçoou o seu mentor e melhor amigo pelo amor da rainha Genebra
* Robin Hood raptou lady Marian
* Beatriz salvou Dante do purgatório
* Petrarca dedicou toda a sua obra a Laura
* Abelardo e Heloísa escreveram-se durante toda a vida
* Julieta bebeu uma taça de veneno quando viu 'morto' Romeu
* Melibeia atirou-se pela janela aquando da morte de Calisto
* Ofélia atirou-se ao rio porque pensou que Hamlet não a amava
* Polifemo cantou Galateia até ao final dos seus dias
* Botticelli enlouqueceu por Simonetta Vespucci
* Dom Quixote dedicou todas as suas gestas a Dulcineia
* Dona Inês suicidou-se por Don Juan
* Isabel de Inglaterra repudiou príncipes e reis pelo amor de Sir Francis Drake
* Sandokan lutou por Marianna
* Werther deu um tiro na fronte quando lhe anunciaram o casamento de Carlota
* Rimbaud não escreveu nem mais uma linha quando terminou a sua relação com Verlaine
* Verlaine tentou assassinar Rimbaud
* Ana Karenina abandonou o seu filho pelo amor do tenente Vronski e deixou-se trucidar por um comboio quando julgou que havia perdido aquele amor
* Camille Claudel enlouqueceu por Rodin
* ...
...e a mim não me ocorre uma maior prova de amor senão afastar-me porque continuo a pensar constantemente...

terça-feira, maio 13, 2008

Para uma mais rápida implementação do novo ACORDO ORTOGRÁFICO assinem a petição:

quinta-feira, maio 08, 2008

Donde habita el olvido

Cuando se despertó,
no recordaba nada
de la noche anterior,
"demasiadas cervezas",
dijo, al ver mi cabeza,
al lado de la suya, en la almohada...
y la besé otra vez,
pero ya no era ayer,
sino mañana.
Y un insolente sol,
como un ladrón, entró
por la ventana.
El día que llegó
tenía ojeras malvas
y barro en el tacón,
desnudos, pero extraños,
nos vio, roto el engaño
de la noche, la cruda luz del alba.
Era la hora de huir
y se fue, sin decir:
"llámame un día".
Desde el balcón, la vi
perderse, en el trajín
de la Gran Vía.
Y la vida siguió,
como siguen las cosas que no
tienen mucho sentido,
una vez me contó,
un amigo común, que la vio
donde habita el olvido.
La pupila archivó
un semáforo rojo,
una mochila, un peugeot
y aquellos ojos
miopes
y la sangre al galope
por mis venas
y una nube de arena
dentro del corazón
y esta racha de amor
sin apetito.
Los besos que perdí,
por no saber decir:
"te necesito".
Y la vida siguió,
como siguen las cosas que no
tienen mucho sentido,
una vez me contó,
un amigo común, que la vio
donde habita el olvido.
*
Joaquín Sabina

domingo, maio 04, 2008


A todas as mães em geral e à minha em particular...
Deixei-to há anos, neste dia da mãe, debaixo do guardanapo
=)

POEMA À MÃE
*
No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe!
*
Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos!
*
Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se
demora e noites rumorosas de águas matinais!
*
Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.
*
Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura!
*
Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos...
*
Mas tu esqueceste muita coisa!
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!
*
Olha - queres ouvir-me? -,
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;
*
ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;
*
ainda oiço a tua voz:
"Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal..."
*
Mas - tu sabes! - a noite é enorme
e todo o meu corpo cresceu...
*
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.
*
Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas...
*
Eugénio de Andrade

quarta-feira, abril 30, 2008

Puedo escribir los versos más tristes esta noche
*
Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Escribir, por ejemplo: "La noche está estrellada,
y tiritan, azules, los astros, a lo lejos.
"El viento de la noche gira en el cielo y canta.
*
Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Yo la quise, y a veces ella también me quiso.
En las noches como esta la tuve entre mis brazos.
La besé tantas veces bajo el cielo infinito.
*
Ella me quiso, a veces yo también la quería.
Cómo no haber amado sus grandes ojos fijos.
Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Pensar que no la tengo. Sentir que la he perdido.
*
Oir la noche inmensa, más inmensa sin ella.
Y el verso cae al alma como al pasto el rocío.
Qué importa que mi amor no pudiera guardarla.
La noche esta estrellada y ella no está conmigo.
*
Eso es todo. A lo lejos alguien canta. A lo lejos.
Mi alma no se contenta con haberla perdido.
Como para acercarla mi mirada la busca.
Mi corazón la busca, y ella no está conmigo.
*
La misma noche que hace blanquear los mismos árboles.
Nosotros, los de entonces, ya no somos los mismos.
Ya no la quiero, es cierto, pero cuánto la quise.
Mi voz buscaba el viento para tocar su oído.
*
De otro. Será de otro. Como antes de mis besos.
Su voz, su cuerpo claro. Sus ojos infinitos.
Ya no la quiero, es cierto, pero tal vez la quiero.
Es tan corto el amor, y es tan largo el olvido.
*
Porque en noches como esta la tuve entre mis brazos,
mi alma no se contenta con haberla perdido.
Aunque este sea el ultimo dolor que ella me causa,
y estos sean los ultimos versos que yo le escribo.
*
Pablo Neruda

domingo, abril 27, 2008

Porque esta noite sonhei contigo
Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.
*
Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.
*
Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão de átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.
*
Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
*
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como uma bola colorida
entre as mãos de uma criança.
*
António Gedeão

sexta-feira, abril 25, 2008

Meu amor que eu não sei. Amor que eu canto. Amor que eu digo.
Teus braços são a flor do aloendro.
Meu amor por quem parto. Por quem fico. Por quem vivo.
Teus olhos são da cor do sofrimento.

Amor-país.
Quero cantar-te. Como quem diz:

O nosso amor é sangue. É seiva. É sol. É Primavera.
Amor intenso. amor imenso. amor instante.
O nosso amor é uma arma. É uma espera.
O nosso amor é um cavalo alucinante.

O nosso amor é pássaro voando. Mas à toa.
Rasgando o céu azul-coragem de Lisboa.
Amor partindo. Amor sorrindo. Amor doendo.
O nosso amor é como a flor do aloendro.

Deixa-me soltar estas palavras amarradas
para escrever com sangue o nome que inventei.
Romper. Ganhar a voz duma assentada.
Dizer de ti as coisas que eu não sei.
Amor. Amor. Amor. Amor de tudo ou nada.
Amor-verdade. Amor-cidade.
Amor-combate. Amor-abril.
Este amor de liberdade.
*
Joaquim Pessoa

quarta-feira, abril 23, 2008

NOVO ACORDO ORTOGRAFICO


A questão ortográfica da língua portuguesa arrasta-se há quase meio século. De facto, em 1911, com o advento da República, Portugal promoveu uma grande reforma ortográfica da língua. Infelizmente, fê-lo à revelia do Brasil, que era então o outro grande país de língua portuguesa. Ora, implantar uma reforma ortográfica constitui um acto de soberania, o qual não pode ser imposto a outro país. Mas era o que Portugal pretendia, ou seja, que o Brasil adoptasse a ortografia portuguesa de 1911, o que não aconteceu. O pecado original dessa "guerra" ortográfica reside no facto de aquela reforma não ter sido previamente acordada com o Brasil, como o exigia a defesa e promoção da língua portuguesa no mundo.

Houve depois várias tentativas de unificação da ortografia do português ao longo do século XX, desenvolvidas sobretudo pela Academia das Ciências de Lisboa em conjunto com a Academia Brasileira de Letras. Em 1945 as duas academias chegaram a acordo, numa reunião em Lisboa. Desse encontro surgiu a chamada Convenção Ortográfica Luso-Brasileira de 1945. Mas aqui, mais uma vez a parte portuguesa cometeu um pecado capital. É que conseguiu convencer a parte brasileira a adoptar os pontos de vista portugueses, nos quais predominava a perspectiva etimológica.

Assim, os brasileiros, que há muito tinham suprimido, para maior facilidade de alfabetização, as chamadas consoantes mudas ou não articuladas em palavras como "acto", "directo", "óptimo", tinham de voltar a introduzi-las na escrita. Ora isso constituía uma violência, que o Brasil não aceitou. Imagine-se como reagiriam os portugueses se agora os obrigassem a reescrever "fructo" ou "victória", com consoantes que há muito foram suprimidas! A lição que colhemos, quer de 1911, quer de 1945, é que Portugal, embora seja o berço da língua portuguesa, não é no mundo de hoje o seu único proprietário.

A verdade é que, tendo falhado as duas unificações plenas tentadas em 1945 e 1986, mandava o bom senso que se procurasse uma unificação possível, menos absoluta, mas mesmo assim suficiente, para abranger cerca de 98% do léxico da língua, e necessária, para evitar que a deriva ortográfica, com oito países lusófonos, se venha a acentuar.

Outra crítica que advém de certos intelectuais portugueses mais conservadores põe em causa a necessidade sequer de qualquer acordo ortográfico. Sustentam que a língua há-de evoluir nos diferentes países lusófonos e dar origem a outras línguas. Esquecem-se, no entanto, que hoje vivemos num mundo diferente do que existia no tempo, por exemplo, da difusão do latim pela România. Nesse tempo a escolarização era apenas para elites reduzidas, não havia meios de comunicação de massas, como a rádio, a televisão, os jornais. Ora, estes meios exercem hoje sobre a língua uma força centrípeta que leva à preservação da unidade essencial do idioma. Por outro lado, as instituições culturais e políticas dos países lusófonos têm todo o interesse em preservar a língua comum como elo de ligação entre todos e factor indiscutível da sua afirmação no mundo.

Uma ortografia unificada torna-se absolutamente necessária às organizações internacionais onde o português é língua de trabalho, aos estabelecimentos de ensino estrangeiros onde se cultiva o nosso idioma, à difusão e promoção do livro em português nos domínios inter-lusófonos e internacional.
João Malaca Casteleiro (linguísta)

- O alfabeto passa a ter 26 letras com a inclusão do «K», o «Y» e o «W»;

- apesar das mudanças a nível de ortografia, as pronúncias próprias de cada país continuam iguais.

- Exemplos de palavras que vão ter dupla grafia devido à diferença de pronúncia entre Portugal e Brasil: académico/acadêmico, amazónia/amazônia, anatómico/anatômico, António/Antônio, blasfémia/blasfêmia, cénico/cênico, cómodo/cômodo, efémero/efêmero, fenómeno/fenômeno, gémeo/gêmeo, género/gênero, génio/gênio, ténue/tênue, tónico/tônico e também bebé/bebê, bidé/bidê, canapé/canapê, caraté/caratê, cocó/cocô, croché/crochê, guiché/guichê, judo/judô, matiné/matinê, metro/metrô, puré/purê.

- Exemplos práticos de alterações na grafia: cai o «h» como em «húmido» e fica úmido, desaparecem o «c» e o «p» nas palavras onde não se lêem (são mudos), como acção, acto, baptismo ou óptimo.

- Mais exemplos de consoantes que desaparecem com o novo acordo: acionar, adjetival, adjetivo, adoção, adotar, afetivo, apocalítico, ativo, ator, atual, atualidade, batizar, coleção, coletivo, contração, correção, correto, dialetal, direção, direta, diretor, Egito, eletricidade, exatidão, exato, exceção, excecionalmente, exceções, fator, fatura, fração, hidroelétrico, inspetor, letivo, noturno, objeção, objeto, ótimo, projeto, respetiva, respetivamente, tatear.

- Nas sequências «mpc», «mpç» e «mpt», se o «p» for eliminado, o «m» passa a «n», como assunção e perentório.

- As terminações verbais «êem» deixam de ser acentuadas em Portugal e no Brasil (exemplos: creem, deem, leem, veem, incluindo os verbos com as mesmas terminações: descreem, releem, reveem, etc).

- Deixa de ter acento diferencial a forma verbal de «pára»/ para.

- O acento diferencial para distinguir o passado do presente passa a ser facultativo.

- As formas monossilábicas do verbo haver perdem o hífen. Exemplos: «hei de», «hás de», «há de», «hão de». A palavra «fim-de-semana» também fica sem hífen.

- O hífen cai também em palavras compostas (em que se perdeu a noção de composição), que passam a ser escritas assim: mandachuva, paraquedas e paraquedista.

- Ainda em relação ao hífen: fusões de palavras quando há duplicação do «s» ou do «r», como antirreligioso, antissemita, contrarregra, contrassenha, extrarregular, infrassom.

- O novo acordo recomenda também que se generalize a fusão quando a terminação é uma vogal e o segundo elemento começa com vogal diferente: extraescolar, autoestrada.

- Meses e estações do ano passam a escrever-se com letra minúscula.

- No vocabulário brasileiro desaparece o acento circunflexo em palavras como abençôo, vôo, crêr, lêr e outras.
*
- Desaparece também o trema em palavras como lingüíça, freqüencia ou qüinqüénio, assim como o acento agudo nos ditongos abertos como por exemplo assembléia ou idéia.
*
*
Os defensores do acordo fazem questão de sublinhar que não elimina em nenhuma palavra qualquer letra que se leia numa pronúncia culta da língua, não estabelece regras de sintaxe, não interfere com a coexistência ou com as regras de normas linguísticas regionais, tem a ver somente com a maneira de escrever as palavras!
Com o Acordo Ortográfico, a grafia das palavras passa a ser regulamentada nos países de língua portuguesa.
*
Concordo.


domingo, abril 20, 2008

Estrela da Tarde
*
Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca, tardando-lhe o beijo, mordia
Quando à boca da noite surgiste na tarde tal rosa tardia
*
Quando nós nos olhámos tardámos no beijo que a boca pedia
E na tarde ficámos unidos ardendo na luz que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia
Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia
*
Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza

Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram
Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram

Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles que à noite amando se deram
E entre os braços da noite de tanto se amarem, vivendo morreram
*
Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
*
Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo e acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto
*
Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto!


José Carlos Ary dos Santos, As palavras das Cantigas, 1984

Um poema lindíssimo de um poeta cada vez mais necessário.

domingo, abril 13, 2008


Hoje, mais do que nunca, reafirmo e confirmo, com toda a certeza
AS PESSOAS NÃO SÃO IGUAIS PARA TODA A GENTE

terça-feira, abril 08, 2008


Não posso deixar de partilhar este concerto imperdivel.
Pela primeira vez em Portugal, o pioneiro da música electrónica:
*
JEAN MICHEL JARRE
25 ABRIL - COLISEU LISBOA
27 ABRIL - COLISEU PORTO
21.30H
*
Já que estou neste registo aproveito também para sugerir :
*ANJA GARBAREK
19 ABRIL - CENTRO CULTURAL VILA FLOR GUIMARÃES - 22H
*PINA BAUSCH
2 A 9 MAIO - CCB E TEATRO SÃO LUIZ LISBOA
*CAT POWER
26 MAIO - COLISEU RECREIOS - 22H
28 MAIO - COLISEU PORTO - 22H
*COCOROSIE
26 MAIO - TEATRO ACADÉMICO GIL VICENTE COIMBRA - 21.30H
27 MAIO - THEATRO CIRCO BRAGA
*FEIST
10 JUNHO - COLISEU PORTO - 21H
11 JUNHO - AULA MAGNA - 21H
*KINGS OF CONVENIENCE
28 JUNHO - CASA DA MÚSICA - 21.30H
22 JULHO - CASA DA MÚSICA - 21.30H
*THIEVERY CORPORATION
*EMIR KUSTURICA & THE NO SMOKING ORCHESTRA
3 AGOSTO - FESTIVAL PAREDES DE COURA
*BJÖRK
7 AGOSTO - FESTIVAL SUDOESTE
*FURA DELS BAUS
7, 8, 9 E 10 AGOSTO - FESTIVAL SUDOESTE

segunda-feira, abril 07, 2008


Como sabes, e até deves ter protestado, em 2007, Guillermo Vargas Habacuc, um suposto artista animalesco colheu um cão abandonado na rua, atou-o a uma corda na parede de uma galeria de arte e ali o deixou morrer lentamente de fome e de sede.
Durante vários dias, tanto o autor de semelhante crueldade, como os visitantes da galeria de arte presenciaram impassiveis à agonia do pobre animal. Até que finalmente morreu, depois de ter passado por um doloroso, absurdo e incompreensivel calvário da besta chamada Homem. Se achares por bem empregue consulta os links e tira as tuas conclusões.
*
*
Parece-te forte?

Mas nao é tudo: a prestigiada Bienal Centroamericana de Arte decidiu que a selvageria cometida por esta Besta das artes, Guillermo Vargas Habacuc, fosse novamente convidado a repetir a sua cruel acção na dita Bienal em 2008, acto este que podemos impedir, colaborando com a nossa indignação, protesto e assinatura nesta petição:




(não tem que se pagar, nem registar) para enviar a petição contra o chamado 'artista' por tão cruel acto, por tão ínfima sensibilidade ao desfrutar em prazer com a dor alheia.




quarta-feira, março 26, 2008


UM ADEUS PORTUGUÊS
*
Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz de ombros puros e a sombra
de uma angústia já purificada
*
Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor
*
Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos
ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver
*
Não podias ficar nesta cama comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido
canino
policial
até ao dia que não vem da promessa
puríssima da madrugada
mas da miséria de uma noite gerada
por um dia igual
*
Não podias ficar presa comigo
à pequena dor que cada um de nós
traz docemente pela mão
a esta pequena dor à portuguesa
tão mansa quase vegetal
*
Não tu não mereces esta cidade não mereces
esta roda de náusea em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte
e o seu minucioso e porco ritual
esta nossa razão absurda de ser
*
Não tu és da cidade aventureira
da cidade onde o amor encontra as suas ruas
e o cemitério ardente
da sua morte
tu és da cidade onde vives por um fio
de puro acaso
onde morres ou vives não de asfixia
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
sem a moeda falsa do bem e do mal
*
Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti.
*
Alexandre O'Neill (1924-1986)


Por vezes os sentimentos dissipam-se na imensa existência do SER e nunca sabemos o que é realmente ou não. Eu perco-me e acho-me e perco-me e acho-me no pulsar compulsivo do bater do coração, imensas vezes, sem, no entanto, encontrar o seu átomo...

quarta-feira, março 19, 2008


Faleceu ontem (18-03-2008) o grande realizador Anthony Minghella, devido a uma hemorragia cerebral. Com esta perda o cinema mundial fica certamente mais pobre.O seu primeiro filme foi "Um Romance do Outro Mundo" ("Truly, madly, deeply") de 1991, em 1993 realizou "Um amor de verdade" ("Mr. Wonderful"), "O Paciente Inglês" ("The English Patient") de 1996 foi o seu filme mais aclamado, conseguindo 12 nomeações para os Óscares, conquistando 9 estatuetas. "O Talentoso Mr. Ripley" ("The Talented Mr. Ripley") seguiu-se-lhe em 1999, "Cold Mountain" em 2003, "Assalto e Intromissão" ("Breaking and Entering") em 2006 e "Michael Clayton" em 2007.
Tinha apenas 54 anos; quando se perde a vida tão cedo fica sempre a sensação de que tanto, ainda, havia por realizar... "O Paciente Inglês" e "O Talentoso Mr. Ripley" são, sem dúvida, dois dos meus filmes de eleição. É incrivel o quanto podemos sofrer a morte de alguém que apenas conhecemos porque é famosa, porque nos proporciona momentos de prazer com as suas obras, porque sabemos que não voltarão a fazê-lo, não voltaremos a esperar mais um filme, não voltaremos a dizer "Altamente, saíu um novo filme do Anthony Minghella!"...
Certamente não será esquecido por todos os amantes do cinema, do bom cinema...
Faleceu o 'artista', imortalizam-no as suas obras...

segunda-feira, março 17, 2008


Estava hoje a fazer o meu lanche, no intervalo do trabalho, quando passei os olhos por um jornal de distribuição gratuita, o "METRO"... Qual o meu espanto quando vejo o título "Lares recusam idosos com VIH"... http://www.readmetro.com/
Em pleno século XXI existe ainda discriminação a seropositivos???
Não há já informação suficiente acerca da doença???
De acordo com o Instituto Ricardo Jorge estão notificadas no nosso país 2411 pessoas seropositivas com mais de 55 anos. A evolução das terapêuticas trouxe um aumento da esperança de vida dos seropositivos, no entanto ainda existem pessoas, ao que parece, que não sabem como lidar com estes doentes..
É mais uma vergonha para o nosso país, a pobreza de espírito é sem duvida a maior de todas a pobrezas... Nestes lares inventam desculpas para não acolherem idosos seropositivos ou pedem quantias exorbitantes pois assim sabem que se livram do "problema".. A Liga Portuguesa Contra a Sida conhece vários casos de discriminação, que acredita serem ampliados com a falta de respostas dos serviços sociais. A Liga recorre várias vezes aos serviços da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, mesmo não sendo apologista da separação definida pela instituição nos finais da década de 80 (seropositivos vs não seropositivos). Hoje a Misericórdia mantem dois lares para doentes seropositivos com graves problemas socio-económicos. Estes lares da Casa da Misericórdia foram criados quando a discriminação era assumida, mas a Misericórdia tinha a esperança que esta medida se tornasse obsoleta à medida que a informação chegasse às pessoas. No entanto 19 anos volvidos, os comportamentos discriminatórios mantêm-se...
Como se não bastassem os danos causados pelo VIH/SIDA, a discriminação contra as pessoas relacionadas com o vírus está também a fazer algumas vítimas. O estigma deve-se à falta de informação a respeito dos conceitos de VIH/SIDA e da forma como o vírus é transmitido. O estigma é também causado pelos preconceitos que as pessoas têm acerca do VIH/SIDA: que estão relacionados com o sexo e com as drogas, e também com actividades tabú, como as relações sexuais pré-matrimoniais ou homossexuais, a prostituição e as drogas injectáveis. O estigma contra o VIH/SIDA produz discriminação. A discriminação é o tratamento injusto que recebem as pessoas relacionadas com o VIH/SIDA: os seropositivos, os seus parentes e amigos. Até mesmo as pessoas que não têm qualquer ligação real com a doença, mas que fazem parte de grupos habitualmente associados ao VIH/SIDA são alvo de estigmatização. O estigma e a discriminação provêm do medo e da incompreensão. Muitas vezes, o medo e a incompreensão fazem parte de uma cultura e consequentemente são considerados socialmente aceitáveis. O ESTIGMA E A DISCRIMINAÇÃO NÃO SÃO ACEITÁVEIS. Silenciam indivíduos e comunidades e levam a que as pessoas evitem fazer testes ou revelem o seu estado de seropositividade. Impedem que as pessoas façam perguntas importantes e obtenham boas respostas. Por causa disto, as pessoas não querem falar sobre sexo ou sobre o VIH/SIDA, o que significa que não estão a aprender como se devem proteger. Da mesma forma que continuam sem saber que as pessoas com VIH/SIDA não representam qualquer ameaça à sociedade. Discriminar é arruinar a vida dessas pessoas. SER LIVRE DE DISCRIMINAÇÃO É UM DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL. Isto significa que nunca está certo magoar alguém porque é seropositivo; ou tirar-lhe dinheiro, o emprego ou a casa. O VIH/SIDA são problemas de saúde graves. O estigma e a discriminação tornam esta situação devastadora tanto a nível emocional como financeiro - para indivíduos e comunidades inteiras. Como combater a discriminação? Fala abertamente. Fala sobre sexo, fala sobre drogas, fala sobre o VIH/SIDA. Não é fácil, mas se te queres proteger, a ti e aos teus parceiros, e até mesmo à tua comunidade, é importante que fales deste assunto.


Para todos quantos continuam a discriminação a doentes seropositivos INFORMEM-SE




HOJE POR ELES AMANHÃ POR TI
Como os livros são para se partilhar, quero aqui partilhar com todos quantos gostam de literatura, filosofia, cinema...um livro muito bom de Juan Antonio Rivera "Lo que Sócrates diría a Woody Allen", o qual obteve em Espanha o Premio Espasa Ensaio 2005. Está já traduzido em português (podem encontrá-lo, por exemplo, nas Edições Tenacitas, Coimbra, traduzido por Ana Doolin).
Um ensaio precioso da filosofia espanhola.

À primeira vista parece um ensaio sobre os clássicos do cinema e também alguns mais contemporâneos, mas na realidade trata-se de um tratado de ética em torno das IDEIAS de sempre (amor, felicidade, azar, vontade, morte, medo, tédio...), para alem de uma mão cheia de categorias muito pouco manuseadas na História da Filosofia (o apetite fáustico, a tentação do Bem e do Mal, a formação do gosto moral...).

Estamos perante uma visão interessante da natureza humana, com a sua base de filosofia clássica, a sua dose de psicologia, de literatura, cinema e de teoria económica.


" "O que Sócrates diria a Woody Allen" é uma introdução simultaneamente profunda e amena a algumas das principais questões éticas de todos os tempos: o amor e a felicidade, o destino, a formação do sentido moral, a decisão e a falta de vontade, a tentação do perfeccionismo, o desespero, o pressentimento da morte, etc. Desfilam por estas páginas tanto os filósofos clássicos (Sócrates, Platão, Kant, Nietzsche, etc.) como outros mais actuais, que têm coisas muito interessantes para nos contar. A amenidade deste livro é assegurada pelo método adoptado, que exemplifica a reflexão filosófica a partir do cinema. Os exemplos são retirados de grandes filmes clássicos (Citizen Kane, Casablanca, A Lei do Silêncio), mas também de obras mais recentes (Matrix, Desafio Total, Truman Show). Esta combinação de imagens de filmes e pensamento filosófico ajuda a entender melhor a filosofia e a gostar mais do cinema."


Deixo-vos o índice para aguçar a curiosidade:

PRIMEIRA BOBINA

QUESTÕES PSICOLÓGICAS

1. O que não se pode conseguir pela força de vontade - I
'O coleccionador'

2. O que não se pode conseguir pela força de vontade - II
Woody Allen e a lenda intelectualista
'Hannah e as suas irmãs'

3. O que não se pode conseguir pela força de vontade - III
'Citizen Kane' ('o mundo a seus pés')

4. Fabricar fobias
'Laranja mecânica'

5. O tédio como fonte de maldade
'Calle mayor'

SEGUNDA BOBINA

QUESTÕES MORAIS

6. A formação do gosto moral - I
'The reckless moment'

7. A formação do gosto moral- II
'Há lodo no cais'

8. Não vale tudo
'Tudo bons rapazes'/'O triunfo da vontade'/'Stardust memories'

9. Como combater a falta de vontade
'The man with the golden arm'/'The lost weekend'

10. A tentação do Bem
'Dr. Estranho Amor'

11. Luz que agoniza
'Ikiru'/'Perigo iminente'

12. Outras vidas são possíveis
'Dois destinos'/'La vida en un hilo'

13. A árvore de decisão vital
'Dois destinos'/'Parque Jurássico'/'O efeito borboleta'/'It's a wonderful life'

14. Uma paisagem acidentada

15. Apetite Fáustico
'Desafio total'/'A rosa púrpura do Cairo'/'As sapatilhas vermelhas'

16. A preferência ética por viver num mundo real - I
'Matrix'/'Desafio total'

17. A preferência ética por viver num mundo real - II
'Truman show - a vida em directo'

18. As salas de cinema "Fausto"
"The end" um final quase Stendhaliano
'Casablanca'


sábado, março 15, 2008


Não sei porque escrevo..
Nunca..
Talvez nunca o explicarei/entenderei...
Eu própria..
A mim..
Para mim...
De mim...
HAHAHAHA...
Escrevo...
Apetece-me...
"Sinto(-o) em mim"...
Qual pequena iniciada aprendiz...
Sim, sem vírgulas ou concepções pré-concebidas...
HAHAHAHA...
Pré-concebidas é lindo...
Sim é lindo...
Como o LINDO...
Lindo conceito...Segismundo(a ti novamente=)
Novamente..
Advérbios de modo?!
Hum....
Como diria Mia Couto
E disse em relação
Quem sabe
Quem leu
A detergente
Me lembra deter gente
Ou... delicious....
Um simples F
torna o útil em Fútil
HAHAHAHA
Falando em novamente
Eu me lembro de nova mente
Mente quem não se lembra
De novo
Quando era criança
De novo jogava ao berlinde...
De novo jogava ao berlinde...
Repetidamente enquanto criança...
HAHAHAHA
Jogava ao berlinde...
Não não sei porque escrevo...
Não não tenho a idade dos porquês...
Escrevo e escrevo e escrevo...
Escrevo cem, por que me apetece...
Escrever sem regras limites centenas...
Apetece-me...
Apetece-me...
Apetece-me...
O quê?!
...

terça-feira, março 11, 2008


EM CRETA, COM O MINOTAURO
I
Nascido em Portugal, de pais portugueses,
e pai de brasileiros no Brasil,
serei talvez norte-americano quando lá estiver.
Coleccionarei nacionalidades como camisas se
despem,
se usam e se deitam fora, com todo o respeito
necessário à roupa que se veste e que prestou
serviço.
Eu sou eu mesmo a minha pátria. A pátria
de que escrevo é a língua em que por acaso de
gerações
nasci. E a do que faço e de que vivo é esta
raiva que tenho de pouca humanidade neste
mundo
quando não acredito em outro, e só outro
quereria que
este mesmo fosse. Mas, se um dia me esquecer
de tudo,
espero envelhecer
tomando café em Creta
com o Minotauro,
sob o olhar de deuses sem vergonha.
II
O Minotauro compreender-me-á.
Tem cornos, como os sábios e os inimigos da
vida.
É metade boi e metade homem, como todos os
homens.
Violava e devorava virgens, como todas as bestas.
Filho de Pasifaë, foi irmão de um verso de Racine,
que Valéry, o cretino, achava um dos mais belos
da "langue".
Irmão também de Ariadne, embrulharam-no num
novelo de que se lixou.
Teseu, o herói, e, como todos os gregos heróicos,
um filho da puta,
riu-lhe no focinho respeitável.
O Minotauro compreender-me-á, tomará café
comigo, enquanto
o sol serenamente desce sobre o mar, e as
sombras,
cheias de ninfas e de efebos desempregados,
se cerrarão dulcíssimas nas chávenas,
como o açúcar que mexeremos com o dedo sujo
de investigar as origens da vida.
III
É aí que eu quero reencontrar-me de ter deixado
a vida pelo mundo em pedaços repartida, como
dizia
aquele pobre diabo que o Minotauro não leu,
porque,
como toda a gente, não sabe português.
Também eu não sei grego, segundo as mais
seguras informações.
Conversaremos em volapuque, já
que nenhum de nós o sabe. O Minotauro
não falava grego, não era grego, viveu antes da
Grécia,
de toda esta merda douta que nos cobre há
séculos,
cagada pelos nossos escravos, ou por nós quando
somos
os escravos de outros. Ao café,
diremos um ao outro as nossas mágoas.
IV
Com pátrias nos compram e nos vendem, à falta
de pátrias que se vendam suficientemente caras
para haver vergonha
de não pertencer a elas. Nem eu, nem o
Minotauro,
teremos nenhuma pátria. Apenas o café,
aromático e bem forte, não da Arábia ou do Brasil,
da Fedecam, ou de Angola, ou parte alguma. Mas
café
contudo e que eu, com filial ternura,
verei escorrer-lhe do queixo de boi
até aos joelhos de homem que não sabe
de quem herdou, se do pai, se da mãe,
os cornos retorcidos que lhe ornam a
nobre fronte anterior a Atenas, e, quem sabe,
à Palestina, e outros lugares turísticos,
imensamente patrióticos.
V
Em Creta, com o Minotauro,
sem versos e sem vida,
sem pátrias e sem espírito,
sem nada, nem ninguém,
que não o dedo sujo,
hei-de tomar em paz o meu café.

Jorge de Sena (1919-1978)

segunda-feira, março 10, 2008

«A situação que se segue aconteceu num voo da British Airways, entre Joanesburgo (África do Sul) e Londres.
Uma mulher (branca), de aproximadamente 50 anos, chegou ao seu lugar em classe económica. E viu que estava ao lado de um passageiro negro. Visivelmente perturbada, chamou a comissária de bordo.
-'Algum problema,minha senhora?' - perguntou a comissária.
-'Não vê?' - respondeu a senhora -'Vocês colocaram-me ao lado de um negro. Não posso ficar aqui. Tem de me arranjar outro lugar.'
-'Por favor, acalme-se!' - disse a hospedeira -'Infelizmente, todos os lugares estão ocupados. Porém, vou ver se ainda temos algum disponível'.
A comissária afasta-se e volta alguns minutos depois.
'- Senhora, como eu disse, não há nenhum outro lugar livre em classe económica. Falei com o comandante e ele confirmou que não temos mais nenhum lugar nem mesmo em classe económica. Temos apenas um lugar em primeira classe'.
E antes que a mulher fizesse algum comentário, a comissária continua:
'- Veja, não é comum que a nossa companhia permita que um passageiro da classe económica se sente na primeira classe. Porém, tendo em vista as circunstâncias, o comandante pensa que seria escandaloso obrigar um passageiro a viajar ao lado de uma pessoa desagradável'.
E, dirigindo-se ao senhor negro, a comissária prosseguiu:
'- Portanto, senhor, caso queira, por favor pegue na sua bagagem de mão, pois reservamos para si um lugar em primeira classe...'
Todos os passageiros que, estupefactos assistiam à cena, começaram a aplaudir, alguns de pé.»

" O QUE ME PREOCUPE NÃO É O GRITO DOS MAUS. É O SILÊNCIO DOS BONS."

Martin Luther King

domingo, março 09, 2008

*
*A TI... que me deste a conhecer esta GRANDE senhora*
*
COMO MADAME BOVARY
Letra: Jesusa Rodríguez y Liliana Felipe.
Música: Liliana Felipe
*
Como madame Bovary, todos tenemos un amante por ahí,
Como madame Butterfly, todos tenemos un suicidio en stand by
Como madame Pompadour, ya no queremos continuar en este tour
Como madame Recamier, nadie se acuerda del periódico de ayer
Esta ostentación grandilocuente
Napoleónica y mayúscula
No exige responsables y pagamos
Y pagamos y pagamos
Y no existe algún veneno para ratas
Que aprovechan su govierno
Para hacer los agujeros que pagamos y pagamos y pagamos….
Como madame Bovary, tenemos deudas con el FMI
Como madame Butterfly, te jode un gringo y no te dice ni good bye
Como madame Pompadour, tanta miseria nos dá un toque de glamour
Como madame Recamier, al mas payaso le decimos “canciller”.
Esta desmesura prepotente
Monolítica y nefasta
No merece comentarios pero el precio
Que pagamos es tan alto
Que la deuda, esta no nos la acabamos
Y pagamos y pagamos…
Y pagamos y pagamos...
Y pagamos
Esta desverguenza chabacana
Delirante, analfabeta, desquiciada, sanguinaria,
Maquiavélica, grotesca, perfumada y apestosa,
Antropófaga, violenta que aguantamos y aguantamos…
Y aguantamos y aguantamos y aguantamos…
Hasta que ya no aguantamos más
Y que se vayan a la puta madre que los recontramilreparió!!!
LAS HISTERICAS
Letra: María Teresa Priego y Jesusa Rodríguez
Música: Liliana Felipe
*
Las histéricas somos lo máximo!
Las histéricas somos lo máximo!
Extraviadas, voyeristas, seductoras, compulsivas
finas divas arrojadas al diván de Freud y de Lacan.
Ay! Segismundo, cuánta vanidad!
infantiloide y malsano el orgasmo clitoriano?
Ay! Segismundo, cuánta vaginalidad,
el orgasmo clitoriano se te escapa de la mano.
Ay! Segismundo de tan macho ya no encaja
no me digas que el placer es pura paja.
Por lo demás correspondo a tus teorías
estoy llena de manías, sueños, fobias y obsesiones,
sólo tu envidia del pene y el diván de tus eunucos
administra mis pulsiones compulsivas.
Cómo me duele este mundo,
Segismundo
la parálisis, la envidia, la neurosis nos gobierna
como me duelen los pobres, como jode la miseria,
ora si que lo de menos es la histeria.
...Las histéricas somos lo máximo!
...Las histéricas somos lo máximo!
Solidarias, fabulosas, planetarias, amorosas
super egos moderados, cunnilinguos para todas a placer
...Ay! Segismundo, cuánta vanidad!
infantiloide y malsano el orgasmo clitoriano?
...Ay! Segismundo, cuánta vaginalidad!
el orgasmo clitoriano se te escapa de la mano
...Ay! Segismundo de tan macho ya no se
si poner punto final, o ponerle punto G.
*
Liliana Felipe es una compositora, cantante, pianista, tanguera, jardinera y poeta, es Cordobesa, descendienta de los Comechingones."
"La música de Liliana Felipe es eminentemente teatral y cinematográfica. Sus canciones tienen la cualidad de ser irreverentes y profundas al mismo tiempo"
*
A NADIE
*
Que cosa es el amor,
medio pariente del dolor,
que a ti y a mí no nos tocó,
que no ha podido, ni ha querido, ni ha sabido
por eso no estás conmigo...
Porque no nos conocemos y tampoco nos queremos,
porque nunca te he mirado ni despiertas a mi lado,
porque no sé si te gustan como a mí las milanesas,
porque no sé dónde vives, ni con qué las aderezas,
porque puede que te falte entusiasmo antagonista,
porque puede que te sobre moralina y seas fadista.
Que cosa es el amor,
medio pariente del dolor,
que a ti y a mí no nos tocó,
que no ha podido, ni ha querido, ni ha sabido
por eso no estás conmigo...
Porque no nos conocimos y en el tiempo que perdimos
cada quien vivió su parte, pero cada quien aparte,
porque no puede apagarse lo que nuca se ha encendido,
porque no puede ser sano lo que nunca se ha podrido...
Porque nunca entenderías mis cansancios, mis manías,
porque a ti te dió lo mismo que cayera en el abismo,
este amor que despreciaste porque nunca me buscaste,
donde yo no hubiera estado, ni me hubiera enamorado...
Que cosa es el amor,
medio pariente del dolor,
que a ti y a mí no nos tocó,
que no ha podido, ni ha querido, ni ha sabido
por eso no estás conmigo,
por eso... no estoy contigo.

quarta-feira, março 05, 2008



FMI

Vou, vou-vos mostrar mais um pedaço da minha vida, um pedaço um pouco especial, trata-se de um texto que foi escrito, assim, de um só jorro, numa noite de Fevereiro de 79, e que talvez tenha um ou outro pormenor que já não é muito actual. Eu vou-vos dar o texto tal e qual como eu o escrevi nessa altura, sem ter modificado nada, por isso vos peço que não se deixem distrair por esses pormenores que possam ser já não muito actuais e que isso não contribua para desviar a vossa atenção do que me parece ser o essencial neste texto. Chama-se FMI. Quer dizer: Fundo Monetário Internacional. Não sei porque é que se riem, é uma organização democrática dos países todos, que se reúnem, como as pessoas, em torno de uma mesa para discutir os seus assuntos, e no fim tomar as decisões que interessam a todos...É o internacionalismo monetário!
*
FMI
Cachucho não é coisa que me traga a mim
Mais novidade do que lagostim
Nariz que reconhece o cheiro do pilim
Distingue bem o mortimor do meirim
A produtividade, ora aí está, quer dizer
Há tanto nesta terra que ainda está por fazer
Entrar por aí a dentro, analisar, e então
Do meu 'attachi-case' sai a solução!
FMI
Não há graça que não faça o FMI
FMI
O bombástico de plástico para si
FMI
Não há força que retorça o FMI
Discreto e ordenado mas nem por isso fraco
Eis a imagem 'on the rocks' do cancro do tabaco
Enfio uma gravata em cada fato-macaco
E meto o pessoal todo no mesmo saco
A produtividade, ora aí está, quer dizer
Não ando aqui a brincar, não há tempo a perder
Batendo o pé na casa, espanador na mão
É só desinfectar em superprodução!
FMI Não há truque que não lucre ao FMI
FMI O heróico paranóico 'hara-quiri'
FMI Panegírico, pro-lírico daqui
Palavras, palavras, palavras e não só
Palavras para si e palavras para dó
A contas com o nada que swingar o sol-e-dó
Depois a criadagem lava o pé e limpa o pó
A produtividade, ora nem mais, célulazinhas cinzentas
Sempre atentas
E levas pela tromba se não te pões a pau
Num encontrão imediato do 3º grau!
FMI
Não há lenha que detenha o FMI
FMI
Não há ronha que envergonhe o FMI
FMI ...
Entretém-te filho, entretém-te, não desfolhes em vão este malmequer que bem-te-quer, mal-te-quer, vem-te-quer, ovomalt'e-quer, messe gigantesca, vem-te vindo, vi-me na cozinha, vi-me na casa-de-banho, vi-me no Politeama, vi-me no Águia D'ouro, vi-me em toda a parte, vem-te filho, vem-te comer ao olho, vem-te comer à mão, olha os pombinhos pneumáticos que te orgulham por esses cartazes fora, olha a Música no Coração da Indira Gandi, olha o Muchê Dyane que te traz debaixo d'olho, o respeitinho é muito lindo e nós somos um povo de respeito, né filho? Nós somos um povo de respeitinho muito lindo, saímos à rua de cravo na mão sem dar conta de que saímos à rua de cravo na mão a horas certas, né filho? Consolida filho, consolida, enfia-te a horas certas no casarão da Gabriela que o malmequer vai-te tratando do serviço nacional de saúde. Consolida filho, consolida, que o trabalhinho é muito lindo, o teu trabalhinho é muito lindo, é o mais lindo de todos, como o astro, não é filho? O cabrão do astro entra-te pela porta das traseiras, tu tens um gozo do caraças, vais dormir entretido, não é? Pois claro, ganhar forças, ganhar forças para consolidar, para ver se a gente consegue num grande esforço nacional estabilizar esta destabilização filha-da-puta, não é filho? Pois claro! Estás aí a olhar para mim, estás a ver-me dar 33 voltinhas por minuto, pagaste o teu bilhete, pagaste o teu imposto de transação e estás a pensar lá com os teus botões: Este tipo está-me a gozar, este gajo quem é que julga que é? Né filho? Pois não é verdade que tu és um herói desde de nascente? A ti não é qualquer totobola que te enfia o barrete, meu grande safadote! Meu Fernão Mendes Pinto de merda, né filho? Onde está o teu Extremo Oriente, filho? Ah-ni-qui-bé-bé, ah-ni-qui-bó-bó, tu és 'Sepuldra' tu és Adamastor, pois claro, tu sozinho consegues enrabar as Nações Unidas com passaporte de coelho, não é filho? Mal eles sabem, pois é, tu sabes o que é gozar a vida! Entretém-te filho, entretém-te! Deixa-te de políticas que a tua política é o trabalho, trabalhinho, porreirinho da Silva, e salve-se quem puder que a vida é curta e os santos não ajudam quem anda para aqui a encher pneus com este paleio de Sanzala e ritmo de pop-xula, não é filho?A one, a two, a one two three
FMI dida didadi dadi dadi da didiFMI ...
Come on you son of a bitch! Come on baby a ver se me comes! Come on Luís Vaz, 'amanda'-lhe com os decassílabos que os senhores já vão ver o que é meterem-se com uma nação de poetas! E zás, enfio-te o Manuel Alegre no Mário Soares, zás, enfio-te o Ary dos Santos no Álvaro de Cunhal, zás, enfio-te o Zé Fanha no Acácio Barreiros, zás, enfio-te a Natalia Correia no Sá Carneiro, zás, enfio-te o Pedro Homem de Melo no Parque Mayer e acabamos todos numa sardinhada ao integralismo Lusitano, a estender o braço, meio Rolão Preto, meio Steve McQueen, ok boss, tudo ok, estamos numa porreira meu, um tripe fenomenal, proibido voltar atrás, viva a liberdade, né filho? Pois, o irreversível, pois claro, o irreversívelzinho, pluralismo a dar com um pau, nada será como dantes, agora todos se chateiam de outra maneira, né filho? Ora que porra, deixa lá correr uma fila ao menos, malta pá, é assim mesmo, cada um a curtir a sua, podia ser tão porreiro, não é? Preocupações, crises políticas pá? A culpa é dos partidos pá! Esta merda dos partidos é que divide a malta pá, pois pá, é só paleio pá, o pessoal na quer é trabalhar pá! Razão tem o Jaime Neves pá! (Olha deixaste cair as chaves do carro!) Pois pá! (Que é essa orelha de preto que tens no porta-chaves?) É pá, deixa-te disso, não destabilizes pá! Eh, faz favor, mais uma bica e um pastel de nata. Uma porra pá, um autentico desastre o 25 de Abril, esta confusão pá, a malta estava sossegadinha, a bica a 15 tostões, a gasosa a sete e coroa... Tá bem, essa merda da pide pá, Tarrafais e o carágo, mas no fim de contas quem é que não colaborava, ah? Quantos bufos é que não havia nesta merda deste país, ah? Quem é que não se calava, quem é que arriscava coiro e cabelo, assim mesmo, o que se chama arriscar, ah? Meia dúzia de líricos, pá, meia dúzia de líricos que acabavam todos a fugir para o estrangeiro, pá, isto é tudo a mesma carneirada! Oh sr. guarda venha cá, á, venha ver o que isto é, é, o barulho que vai aqui, i, o neto a bater na avó, ó, deu-lhe um pontapé no cu, né filho? Tu vais conversando, conversando, que ao menos agora pode-se falar, ou já não se pode? Ou já começaste a fazer a tua revisãozinha constitucional tamanho familiar, ah? Estás desiludido com as promessas de Abril, né? As conquistas de Abril! Eram só paleio a partir do momento que tas começaram a tirar e tu ficaste quietinho, né filho? E tu fizeste como o avestruz, enfiaste a cabeça na areia, não é nada comigo, não é nada comigo, né? E os da frente que se lixem... E é por isso que a tua solução é não ver, é não ouvir, é não querer ver, é não querer entender nada, precisas de paz de consciência, não andas aqui a brincar, né filho? Precisas de ter razão, precisas de atirar as culpas para cima de alguém e atiras as culpas para os da frente, para os do 25 de Abril, para os do 28 de Setembro, para os do 11 de Março, para os do 25 de Novembro, para os do... que dia é hoje, ah?
FMI Dida didadi dadi dadi da didiFMI ...
Não há português nenhum que não se sinta culpado de qualquer coisa, não é filho? Todos temos culpas no cartório, foi isso que te ensinaram, não é verdade? Esta merda não anda porque a malta, pá, a malta não quer que esta merda ande, tenho dito. A culpa é de todos, a culpa não é de ninguém, não é isto verdade? Quer isto dizer, há culpa de todos em geral e não há culpa de ninguém em particular! Somos todos muita bons no fundo, né? Somos todos uma nação de pecadores e de vendidos, né? Somos todos, ou anti-comunistas ou anti-faxistas, estas coisas até já nem querem dizer nada, ismos para aqui, ismos para acolá, as palavras é só bolinhas de sabão, parole parole parole e o Zé é que se lixa, cá o pintas azeite mexilhão, eu quero lá saber deste paleio vou mas é ao futebol, pronto, viva o Porto, viva o Benfica, Lourosa, Lourosa, Marraças, Marraças, fora o arbitro, gatuno, bora tudo p'ro caralho, razão tinha o Tonico de Bastos para se entreter, né filho? Entretém-te filho, com as tuas viúvas e as tuas órfãs que o teu delegado sindical vai tratando da saúde aos administradores, entretém-te, que o ministro do trabalho trata da saúde aos delegados sindicais, entretém-te filho, que a oposição parlamentar trata da saúde ao ministro do trabalho, entretém-te, que o Eanes trata da saúde à oposição parlamentar, entretém-te, que o FMI trata da saúde ao Eanes, entretém-te filho e vai para a cama descansado que há milhares de gajos inteligentes a pensar em tudo neste mesmo instante, enquanto tu adormeces a não pensar em nada, milhares e milhares de tipos inteligentes e poderosos com computadores, redes de policia secreta, telefones, carros de assalto, exércitos inteiros, congressos universitários, eu sei lá! Podes estar descansado que o Teng Hsiao-Ping está a tratar de ti com o Jimmy Carter, o Brezhnev está a tratar de ti com o João Paulo II, tudo corre bem, a ver quem se vai abotoar com os 25 tostões de riqueza que tu vais produzir amanhã nas tuas oito horas. A ver quem vai ser capaz de convencer de que a culpa é tua e só tua se o teu salário perde valor todos os dias, ou de te convencer de que a culpa é só tua se o teu poder de compra é como o rio de S. Pedro de Moel que se some nas areias em plena praia, ali a 10 metros do mar em maré cheia e nunca consegue desaguar de maneira que se possa dizer: porra, finalmente o rio desaguou! Hão te convencer de que a culpa é tua e tu sem culpa nenhuma, tens tu a ver, tens tu a ver com isso, não é filho? Cada um que se vá safando como puder, é mesmo assim, não é? Tu fazes como os outros, fazes o que tens a fazer, votas à esquerda moderada nas sindicais, votas no centro moderado nas deputais, e votas na direita moderada nas presidenciais! Que mais querem eles, que lhe ofereças a Europa no natal?! Era o que faltava! É assim mesmo, julgam que te levam de mercedes, ora toma, para safado, safado e meio, né filho? Nem para a frente nem para trás e eles que tratem do resto, os gatunos, que são pagos para isso, né? Claro! Que se lixem as alternativas, para trabalho já me chega. Entretém-te meu anjinho, entretém-te, que eles são inteligentes, eles ajudam, eles emprestam, eles decidem por ti, decidem tudo por ti, se hás-de construir barcos para a Polónia ou cabeças de alfinete para a Suécia, se hás-de plantar tomate para o Canada ou eucaliptos para o Japão, descansa que eles tratam disso, se hás-de comer bacalhau só nos anos bissextos ou hás-de beber vinho sintético de Alguidares-de-Baixo! Descansa, não penses em mais nada, que até neste país de pelintras se acho normal haver mãos desempregadas e se acha inevitável haver terras por cultivar! Descontrai baby, come on descontrai, arrefinfa-lhe o Bruce Lee, arrefinfa-lhe a macrobiótica, o biorritmo, o euroscópio, dois ou três ofeneologistas, um gigante da ilha de Páscoa e uma Grace do Mónaco de vez em quando para dar as boas festas às criancinhas! Piramiza filho, piramiza, antes que os chatos fujam todos para o Egipto, que assim é que tu te fazes um homenzinho e até já pagas multa se não fores ao recenseamento. Pois pá, isto é um país de analfabetos, pá! Dá-lhe no Travolta, dá-lhe no disco-sound, dá-lhe no pop-xula, pop-xula pop-xula, iehh iehh, J. Pimenta forever! Quanto menos souberes a quantas andas melhor para ti, não te chega para o bife? Antes no talho do que na farmácia; não te chega para a farmácia? Antes na farmácia do que no tribunal; não te chega para o tribunal? Antes a multa do que a morte; não te chega para o cangalheiro? Antes para a cova do que para não sei quem que há-de vir, cabrões de vindouros, ah? Sempre a merda do futuro, a merda do futuro, e eu ah? Que é que eu ando aqui a fazer? Digam lá, e eu? José Mário Branco, 37 anos, isto é que é uma porra, anda aqui um gajo cheio de boas intenções, a pregar aos peixinhos, a arriscar o pêlo, e depois? É só porrada e mal viver é? O menino é mal criado, o menino é 'pequeno burguês', o menino pertence a uma classe sem futuro histórico... Eu sou parvo ou quê? Quero ser feliz porra, quero ser feliz agora, que se foda o futuro, que se foda o progresso, mais vale só do que mal acompanhado, vá mandem-me lavar as mãos antes de ir para a mesa, filhos da puta de progressistas do caralho da revolução que vos foda a todos! Deixem-me em paz porra, deixem-me em paz e sossego, não me emprenhem mais pelos ouvidos caralho, não há paciência, não há paciência, deixem-me em paz caralho, saiam daqui, deixem-me sozinho, só um minuto, vão vender jornais e governos e greves e sindicatos e policias e generais para o raio que vos parta! Deixem-me sozinho, filhos da puta, deixem só um bocadinho, deixem-me só para sempre, tratem da vossa vida que eu trato da minha, pronto, já chega, sossego porra, silêncio porra, deixem-me só, deixem-me só, deixem-me só, deixem-me morrer descansado. Eu quero lá saber do Artur Agostinho e do Humberto Delgado, eu quero lá saber do Benfica e do bispo do Porto, eu quero se lixe o 13 de Maio e o 5 de Outubro e o Melo Antunes e a rainha de Inglaterra e o Santiago Carrilho e a Vera Lagoa, deixem-me só porra, rua, larguem-me, zórpila o fígado, arreda, 'terneio' Satanás, filhos da puta. Eu quero morrer sozinho ouviram? Eu quero morrer, eu quero que se foda o FMI, eu quero lá saber do FMI, eu quero que o FMI se foda, eu quero lá saber que o FMI me foda a mim, eu vou mas é votar no Pinheiro de Azevedo se eu tornar a ir para o hospital, pronto, bardamerda o FMI, o FMI é só um pretexto vosso seus cabrões, o FMI não existe, o FMI nunca aterrou na Portela coisa nenhuma, o FMI é uma finta vossa para virem para aqui com esse paleio, rua, desandem daqui para fora, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe...
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Mãe, eu quero ficar sozinho... Mãe, não quero pensar mais... Mãe, eu quero morrer mãe.Eu quero desnascer, ir-me embora, sem ter que me ir embora. Mãe, por favor, tudo menos a casa em vez de mim, outro maldito que não sou senão este tempo que decorre entre fugir de me encontrar e de me encontrar fugindo, de quê mãe? Diz, são coisas que se me perguntem? Não pode haver razão para tanto sofrimento. E se inventássemos o mar de volta, e se inventássemos partir, para regressar. Partir e aí nessa viajem ressuscitar da morte às arrecuas que me deste. Partida para ganhar, partida de acordar, abrir os olhos, numa ânsia colectiva de tudo fecundar, terra, mar, mãe... Lembrar como o mar nos ensinava a sonhar alto, lembrar nota a nota o canto das sereias, lembrar o depois do adeus, e o frágil e ingénuo cravo da Rua do Arsenal, lembrar cada lágrima, cada abraço, cada morte, cada traição, partir aqui com a ciência toda do passado, partir, aqui, para ficar...
Assim mesmo, como entrevi um dia, a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila, o azul dos operários da Lisnave a desfilar, gritando ódio apenas ao vazio, exército de amor e capacetes, assim mesmo na Praça de Londres o soldado lhes falou: Olá camaradas, somos trabalhadores, eles não conseguiram fazer-nos esquecer, aqui está a minha arma para vos servir. Assim mesmo, por detrás das colinas onde o verde está à espera se levantam antiquíssimos rumores, as festas e os suores, os bombos de lava-colhos, assim mesmo senti um dia, a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila, o bater inexorável dos corações produtores, os tambores. De quem é o carvalhal? É nosso! Assim te quero cantar, mar antigo a que regresso. Neste cais está arrimado o barco sonho em que voltei. Neste cais eu encontrei a margem do outro lado, Grandola Vila Morena. Diz lá, valeu a pena a travessia? Valeu pois.
Pela vaga de fundo se sumiu o futuro histórico da minha classe, no fundo deste mar, encontrareis tesouros recuperados, de mim que estou a chegar do lado de lá para ir convosco. Tesouros infindáveis que vos trago de longe e que são vossos, o meu canto e a palavra, o meu sonho é a luz que vem do fim do mundo, dos vossos antepassados que ainda não nasceram. A minha arte é estar aqui convosco e ser-vos alimento e companhia na viagem para estar aqui de vez. Sou português, pequeno burguês de origem, filho de professores primários, artista de variedades, compositor popular, aprendiz de feiticeiro, faltam-me dentes. Sou o Zé Mário Branco, 37 anos, do Porto, muito mais vivo que morto, contai com isto de mim para cantar e para o resto.

José Mário Branco - FMI